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Le Messager du Brésil (1878-84), continuação de Le Gil Blas com o mesmo editor, Émile Deleau (Fantasio)

  • Figura 01. Émile Deleau era o nome verdadeiro de Fantasio, editor do Gil Blas e do Messager du Brésil. Ele era parte da Sociedade Francesa de Beneficência ao lado de outros franceses notáveis, como L. Couty. (Almanak Laemmert, 1883)

O Messager du Brésil (1878-1884) era o antigo satírico Le Gil Blas -  journal politique, satyrique et artistique. Com a alteração de nome para Le Messager du Brésil nota-se a adoção de um tom mais sério. Ele começa no número 48 (07/09/1878), Ano 2, continuando a numeração do Gil Blas e o editorial menciona a mudança de título. Afirma que o antecessor havia tido uma recepção “favorável e simpática” pelo público francês e brasileiro, o que justificaria sua continuidade. Por que, então, não permanecera com o mesmo nome?

Ainda como Gil Blas, no número 46, é anunciado o Messager du Brésil como uma fase “madura” (Le Gil Blas, 25/08/1878), sinalizando o novo estilo. Também muda o dia da publicação de sábado para domingo, mas continua hebdomadário. Por outro lado, sua orientação se altera completamente: enquanto Gil Blas enveredava pela sátira mordaz e certo radicalismo político, o Messager du Brésil apresentava-se sóbrio, informativo, voltado a assuntos comerciais e anunciava ser “o único órgão francês no Brasil”, o que, de fato, era à época, o que faz seu editor afirmar que vinha “preencher uma lacuna importante”.

O folhetim continuava no rodapé, mas com uma mudança: enquanto o Feuilleton du Gil-Blas trazia o extenso poema de Victor Hugo Le Pape interrompido a cada edição com a fórmula à suivre, o Feuilleton de Le Messager du Brésil substitui a poesia épica pelo gênero moderno, o romance. Femme de Glace de Adolphe Belot foi largamente anunciado e dava esse ar de imprensa comercial que já caracterizava algumas das maiores publicações francesas (e franco-brasileiras) de então. A referência às leitoras, recorrente em Gil-Blas, já não é tão explícita, e, ao que parece, o Messager dirige-se mais aos leitores masculinos. Seria esse também um sintoma de que queria passar a impressão de um jornal mais “sério”?

Independente do motivo que levou à mudança, o jornal se profissionalizou, com acentuada melhora na parte material e intelectual. Outra diferença importante é que, enquanto os colaboradores de Gil-Blas se ocultavam atrás de pseudônimos, no Messager du Brésil muitas vezes assinam nomes como P. Lalourère, A. de Belmar, G. Lardy entre outros, embora o procedimento de adotar pseudônimos literários não tivesse de todo desaparecido, como no caso de Junius, que remete provavelmente às Letters of Junius (1772), e do próprio Fantasio, o antigo editor do Gil-Blas, que reaparece assinando crítica teatral em 1878 (03/11/1878).

Os editoriais de primeira página, em que o editor conversava com seu leitor sobre a orientação do jornal, deram lugar à crônica política e concentravam-se nos acontecimentos franceses, acompanhando-os com seriedade. Mas continuavam sem uma assinatura, ao menos nas primeiras edições.

Não há identificação do editor no cabeçalho, como de costume. Tínhamos notícia de que Georges Lardy, gerente de outro jornal francês publicado no Brasil, Le Sud-Américain (1885-1886), teria também dirigido o Messager du Brésil[1]. Seria ele o editor-chefe do Messager du Brésil? Não, ele era apenas o gerente mesmo e entrou tardiamente na redação, quando o empreendimento já estava consolidado. Nossa pesquisa indica que seu editor-chefe era, na verdade, Émile Deleau.

Seguindo outras pistas externas ao jornal, nossa consulta no Almanaque Laemmert de 1882 indica um Emílio Deleau como redator do Messager (escritório na Rua Gonçalves Dias, 47). Ele já aparece em referências dos anos de 1876 (Rua do Ouvidor, 46). Em 1878, E. Deleau é mencionado na lista de Profissões “matemáticas e físicas” no mesmo endereço e apenas em 1882 aparece como redator do Messager du Brésil. Em 1883, em novo endereço (Rua Sete de Setembro, 131), é classificado como literato, jornalista e livreiro, mesmo ano em que consta como Conselheiro da Sociedade Francesa de Beneficência (Figura 01).

No ano de 1885, o nome de Deleau vem na lista do Almanak Laemmert de jornais da corte publicados em 1884, como redator-chefe do Messager du Brésil – jornal bi-hebdomadário propriedade de uma associação, cujo gerente é Georges Lardy no endereço Sete de Setembro, 131, que é o endereço que se liga ao jornal. Este último, ao que parece, começa a trabalhar no Messager du Brésil apenas em 1884.

Concluímos, assim, que Émile Deleau é o principal responsável pela redação do Messager du Brésil. Então seria ele o autor do editorial da edição 48 (1878) que marca a mudança do jornal? Temos fortes indícios que sim. Embora não assine matéria, seu nome vai aparecer diversas vezes associado ao seu Curso de Álgebra (um livro de matemática com exercícios e vendido na Livraria Garnier) e aos membros da Sociedade Francesa de Beneficência (incluindo nomes como Ad. Hubert, L. Couty, B. L. Garnier entre outros). Apenas em junho de 1883 é que seu nome aparece diretamente relacionado à redação, quando o jornal faz publicar uma carta de sua autoria: “O senhor E. Deleau, redator-chefe do Messager du Brésil, foi a Campos assistir à inauguração da iluminação por luz elétrica. Nós publicamos a carta que ele nos enviou de Cantagalo”. (Le Messager du Brésil, 24/06/1883)

Ora, se E. Deleau é o principal responsável do Messager du Brésil neste período, deduzimos que ele seria também o Fantasio, o rédacteur en chef misterioso do Gil-Blas!

De fato, procurando por seu nome em Gil Blas, achamos um anúncio na página 4 que reforça nossa hipótese: “Cours de Matématiques, par E. Deleau, Rua Nova do Ouvidor, n. 37”, mesmo endereço da redação do Gil-Blas. E, para confirmar nossas suspeitas, um dos textos de la une do primeiro número do Gil-Blas, intitulado La guerre aux petits! é assinado por um tal E.D., provavelmente as iniciais de seu nome. Acreditamos, assim, ter acabado com o mistério: o principal responsável por Gil Blas e pelo Messager du Brésil era o professor de matemática francês alsaciano Émile Deleau.

Nossa pesquisa revela, então, mais um nome importante ligado ao periodismo francês do século XIX, integrante de grupos tradicionais da colônia como a Sociedade Francesa de Beneficência, que restava no anonimato e, portanto, fora dos compêndios de história da imprensa.

Le Messager du Brésil será publicado ainda por vários anos no Rio de Janeiro, apresentando crescente profissionalização com aumento do número de seções e colaboradores além de iniciativas promocionais. Mas é quando o jornal passa a ser associado a Georges Lardy que há uma nova mudança editorial. Um exemplo é o lançamento do Almanach du Messager du Brésil pour l’année 1884.

Alguns meses depois, no fim de junho de 1884, avisam que a partir de julho o jornal passaria por uma “transformação”, uma “nova fase” com oito páginas que visava melhor responder aos interesses da colônia, ou seja, ajudar franceses no Brasil e do exterior a conhecer o Brasil, tema recorrente na imprensa franco-brasileira. Junto a essa iniciativa, é divulgada a edição da Revue de France et du Brésil de 130 a 150 páginas, também bilíngue e com o objetivo de divulgar o Brasil na Europa, com artigos mais longos.

Em julho, o jornal publica na primeira página uma circular, em português, que havia sido enviada a alguns “amigos” e que se tratava de uma carta de intenções dessa nova fase, conclamando a imprensa local e estrangeira (incluindo aí os jornais anglófonos publicados no Brasil como o Rio News e o Anglo Brazilian-Times) a ultrapassar as iniciativas individuais na divulgação dos potenciais que o Brasil apresentava como terra de acolhida migratória. Claro está que o debate não era apenas sobre migração, mas sobre as implicações da substituição da mão-de-obra e da abolição do escravismo. Tudo leva a crer que o jornal também tornou-se uma sociedade mais complexa.

Além de Louis Couty – nome respeitado dentro e fora da comunidade francesa no Brasil, autor da célebre frase “O Brasil não tem povo” – nomes brasileiros engrossavam a lista de importantes colaboradores do Messager carioca, mostrando como o empreendimento ultrapassou as fronteiras da colônia francófona: Antônio da Silva Prado, Rodolpho Epiphanio de Souza Dantas, Alfredo d’Esgragnolle Taunay, J. C. Ramalho Ortigão, José Ferreira de Souza Araújo entre outros.

É possível que essas outras iniciativas fossem tentativas de diversificar as ofertas aos leitores, modernizando a gestão e aproveitando melhor a estrutura, o que pode ser tanto um sintoma do crescimento do Messager du Brésil como, ao contrário, sinais de uma crise que culminaria com o fim de sua publicação, uma vez que não temos notícias de edições em 1885.

De sua leitura, no entanto, nada levava a crer que a trajetória estivesse descendente. Embora tenha começado como um hebdomadário domingueiro (apesar do primeiro número ter saído num sábado), o Messager passa a ser bissemanal, o que é um sintoma de demanda.

Estes e outros jornais da passagem para o século XX marcaram uma fase pujante da imprensa francófona no Rio de Janeiro, com temática universal e inserida no circuito transnacional cultural francófono que envolvia Victor Hugo, Charles Ribeyrolles, Victor Frond, A. E. Taunay, B. L. Garnier, Machado de Assis, Louis Couty, Joaquim Manoel de Macedo e outros. Émilie Deleau atravessa esse período com um jornal em que cabe a colaboração de mais de uma geração de franceses, portugueses e brasileiros, até que o grupo perde força, alguns deles morrem e ao menos duas linhagens de franceses, ligadas a uma época áurea da imprensa francesa no Brasil, encontram seu fim.



[1] BATALHA, C.H.M. “Um socialista francês diante da escravidão no Brasil: Louis-Xavier de Ricard e o jornal Le Sud-Américain” in VIDAL, L. e LUCA, T. R. (orgs.). Franceses no Brasil: séculos XIX e XX. São Paulo: Ed. Unesp, 2009.p. 163.

 

Publicado em 19/10/2015

**Para citar este artigo Guimarães, Valéria. "Le Messager du Brésil (1878-84), continuação de Le Gil Blas com o mesmo editor, Émile Deleau (Fantasio)" in: Site Jornais Franceses no Brasil, Programa Jovem Pesquisador - FAPESP Transferências Culturais na Imprensa na passagem do século XIX ao XX - Brasil e França, disponível em: <http://jfb.franca.unesp.br/publicacoes/verbetes/le-messager-du-bresil-1878-84-continuacao-de-le-gil-blas-com-o-mesmo-editor>
 

 

19/10/2015